Acabou o Big Brother!!!
Suponho e torço para que voltem A Grande Família, Toma Lá, Da Cá e outros teleteatros que só a televisão brasileira sabe produzir.
Para comemorar o fim do Big Brother, publico artigo do meu amigo Armando de Oliveira Neto, Médico Psiquiatra, que, didaticamente, explica o tema.
É longo. É bom. Vale a pena!!! Eu leria!!!
Lá vai:
Big Brother e a questão do privado versus o público
por Armando de Oliveira Neto
Um programa de televisão que tenho notícia, o BBB, que me nego assistir por questão de “religião” (a que não me permite ficar estúpido) lança de maneira magistral as pontes para a dessensibilização do espectador para qualquer questionamento sobre o tema, em permanente “lavagem cerebral” do mais incauto: a questão do privado versus o público.
Proponho aqui provocar uma reflexão: qual é limite entre, dentro da perspectiva apresentada, a vida pública/feliz, assim vendida ao grande público, e a privada/angustiante???
Vida pública vista sob o prisma da presença do Estado, que pode estar representado pelo(a) pai(mãe) zeloso(a), pelo patrão cuidadoso com a produção da fábrica, com a fábrica de biscoitos que se propõe a melhorar seus produtos, até o(a) marido(esposa) observador dos passos milimétricos de seu(sua) cônjuge, e assim por diante.
Vida privada vista pelo abandono e a solidão do existir INDEPENDENTE, diante da liberdade de nossas escolhas dos caminhos a tomar, com a inerente e indissolúvel responsabilidade das conseqüências dessas escolhas.
Há alguns meses o jornal “O Estado de São Paulo” publicou matéria que versava sobre a evolução das Ciências que permitiriam ter observação sobre os indivíduos desde antes do parto, pelo uso do Ultra Som Gestacional, até a morte.
Pode-se observar, nas mais diferentes situações das atividades humanas, que há uma disseminação de equipamentos e toda a parafernália que os acompanha, com o objetivo de “monitoração” do cidadão, apoiando-se nos mais variados argumentos, desde a segurança individual até a nacional, acompanhamento, maternagem, e por aí afora.
Se pudermos ampliar essa observação, desde os anos 50 procurava-se a separação de espermatozóides X dos Y, com objetivo de escolha do sexo do embrião a ser concebido, o que já é padrão na “sexagem” de sêmen bovino ou mesmo o humano na atualidade.
O estudo genético das células do líquido amniótico já revela patologias que poderão indicar a viabilidade do embrião/feto e, portanto, a continuidade ou não da gestação. A questão da seleção de embriões humanos “adequados” na gestação assistida já é um tema que habita a classe médica.
“Adequados” já não é o designativo de viável, mas de cor dos olhos, dos cabelos, estatura, inteligência (?) e outras características desejáveis pelos pais.
O mapeamento genético em breve substituirá a Carteira de Identidade, lembrando que o controle digital, aquele que se coloca a polpa do dedo para identificação, já está em uso para controle de funcionários, quer em serviço público quer privado.
Receitas médicas podem ser identificadas pela indústria farmacêutica em tempo real, com uso de programas de computadores.
As compras, em supermercados e outras lojas, são monitoradas da mesma forma, no momento da compra por meio de cartão do sistema bancário, informando-se as preferências do freguês alheio a esse procedimento.
Os atuais telefones celulares usam tecnologia GPS, podendo o cidadão ser localizado a qualquer momento na face da Terra. Assim os papais e mamães modernos poderão se sentir mais seguros e confiantes, uma vez que seus rebentos poderão estar sob suas tutelas permanentemente.
Um “chip” de identificação e localização já foi desenvolvido, para implantação na região da palma da mão, mas não foi ainda apresentado para comercialização, limitando-se a equipamentos de monitoração a condenados a prisão domiciliar.
Enfim, poderíamos dar outros detalhes sobre o desenvolvimento da tecnologia que temos nos dias de hoje e possíveis para os próximos anos (não décadas ou séculos), mas o que temos já é suficiente para uma reflexão que se segue.
Romances, na ocasião de suas publicações, chamados futuristas, já denunciavam essas evoluções, tais como “1984”, “Admirável Mundo Novo”, “Fahrenheit 451” e, mais recentemente os filmes “O Exterminador do Futuro” e “Matrix”, mostram o desenvolvimento da reação do ser humano a essa opressão controladora por uma instância que chamarei, para fins desse escrito e em respeito aos originais citados, de Estado.
Lembro-me, lido há 50 anos, a sensação de liberdade que o protagonista de “1984” vivenciou, no pequeno espaço do cone de sombra das câmaras de vigilância do Grande Irmão, e que desencadeou toda a trama do romance.
É assim, guardando as diferenças, que podemos encarar a questão do Controle do Estado e nossa indignação frente a ele.
Lembrando o Livro de Gênesis, o ser humano faz o mundo à sua semelhança e imagem. Rompemos com as leis divinas, ou se preferir com as leis da evolução das espécies, pois podemos criar seres humanos perfeitos geneticamente. Controlamos doenças que antes matavam milhões de pessoas. Trocamos partes do corpo humano e hoje até introduzimos micro-processadores no interior do cérebro para sanar certas deficiências. Desconsideramos o Salmo que canta “que o pó volte a terra, de onde veio e que o espírito volte a Deus que o criou… Vaidade, vaidade, diz o Pregador, tudo é vaidade…”, pois alguns acham que já há tecnologia para se prolongar a vida para além dos cem anos, ou até mais, pelo congelamento, uma ressuscitação depois de algum tempo .
Todos esses elementos levam o ser humano a uma estupefata e perplexa admiração pela Ciência e os limites, a todo instante, superados.
Veríssimo, em crônica no jornal “O Estado de São Paulo”, datada de 31/12/2009, escreveu: “Com o aperfeiçoamento do GPS seríamos guiados por uma entidade superior que tudo vê e tudo sabe. Um satélite estacionário sem nenhuma dúvida sobre o que é certo e o que é errado e o que nos convêm. Bastaria levar o aparelho ao ouvido e escutar os seus conselhos. Na voz que escolheríamos.”.
A Psiquiatria encontrou seu caminho nesse processo ao achar a pílula da felicidade, assim chamado um anti-depressivo lançado em meio a um das melhores campanhas de propaganda, que prometia a supressão da dor d’alma em qualquer condição, jogando por terra qualquer concepção relacionada a condição do sofrimento humano, amplamente questionada por Fukuyama e outros.
A tecnologia a serviço do controle do Estado também procura provocar uma sedação às nossas angústias, oferecendo-nos uma apaziguante sensação de proteção frente as incertezas do viver.
Nos dias de hoje estamos construindo os alicerces de um Admirável Mundo Novo… e nós vamos conseguir!!!
E, lembrando uma expressão alemã, encontrar os dourados caminhos do meio torna-se uma tarefa hercúlea dentro de cada um: ser livre e independente contornando-se as perigosas seduções da tecnologia e da Medicina.
Essa é a minha escolha.
E a sua?
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Armando de Oliveira Neto
Médico Psiquiatra
Aposentado do Serviço de Psiquiatria e Psicologia Médica
Do Hospital do Servidor Público Estadual
Médico Assistente do Hospital Infantil Cândido Fontoura
Professor/Supervisor pela Federação Brasileira de Psicodrama.