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Vôo 447 da Air France e a Morte Presumida

Por Miguel  Gutierrez*

Para explicar como ficam familiares e herdeiros das 228  vítimas do vôo 447 do Airbus da Air France que partiu do Rio no dia 31 de maio em direção a Paris e caiu sobre o Oceano Atlântico,  Boca no Trombone pediu para Miguel Gutierrez, advogado do escritório  Paulo Roberto Murray , artigo a respeito. O assunto é complexo. É interessante.
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O instituto da morte presumida, previsto em vários dispositivos da legislação brasileira, permite que os familiares de vítima de catástrofe ou de pessoa que desapareceu sem deixar vestígio possam garantir judicialmente seus direitos à herança, seguros de vida, pensões entre outros direitos.

A declaração de morte presumida nada mais é do que o procedimento legal utilizado para atestar o falecimento de vítimas de acidentes cujos corpos não foram encontrados após o encerramento das buscas e posterior declaração oficial das autoridades de que não foi possível o seu reconhecimento ou localização. O procedimento exige a intervenção do Ministério Público para solicitar ao juízo a declaração da morte presumida mediante comprovação idônea de que a pessoa estava no local do desastre.

O procedimento deve ser iniciado pelos interessados (em geral o cônjuge ou, em sua falta, o pai, a mãe ou os descendentes) depois de encerradas as buscas e da declaração oficial das autoridades de que não foi possível o reconhecimento ou a localização da vítima do acidente, sendo encerrado com o reconhecimento pelo juiz de que ocorreu a morte presumida da vítima. Como a legislação é bastante clara, raramente os Tribunais Superiores são acionados para julgar esse tipo de caso. Em geral, eles são julgados definitivamente já na primeira instância.

O conceito de morte presumida e seus efeitos jurídicos estão disciplinados no Código Civil, que prevê duas hipóteses distintas: a morte presumida com a decretação de ausência e a morte presumida sem decretação de ausência.

Assim, determina o art. 7º do Código Civil:

“Art. 7º – Pode ser declarada a morte presumida, sem decretação de ausência:
I – se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida;
II – se alguém desaparecido em campanha ou feito prisioneiro, não for encontrado até dois anos após o término da guerra”.

O parágrafo único do mesmo artigo dispõe que “a declaração de morte presumida, nesses casos, somente poderá ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento”.

Por outro lado, o art. 88 da Lei de Registros Públicos admite a justificação judicial da morte para assento de óbito de pessoas desaparecidas em naufrágio, inundação, incêndio, terremoto ou qualquer outra catástrofe, quando estiver provada a sua presença no local do desastre e não for possível encontrar o cadáver para exame.

Em tragédias aéreas, como a do avião da Air France que caiu recentemente no Oceano Atlântico, a justiça tem aplicado conjuntamente o art. 7º do Código Civil e o art. 88 da Lei dos Registros Públicos para declarar a morte presumida sem a decretação de ausência. A declaração judicial da morte presumida substitui o atestado de óbito.

Em resumo, o direito brasileiro prevê dois institutos diferentes para casos de desaparecimento em que não é possível a constatação fática da morte pela ausência do corpo: o da ausência e o do desaparecimento jurídico da pessoa humana.

Na primeira hipótese, a ausência ocorre com o desaparecimento da pessoa do seu domicílio, sem que dela haja mais notícia. Nesse caso existe apenas a certeza do desaparecimento, sem que ocorra a imediata presunção da morte, já que o desaparecido por voltar a qualquer momento. Dessa forma, a Justiça autoriza a abertura da sucessão provisória como forma de proteger o patrimônio e os bens do desaparecido.

Já no desaparecimento jurídico da pessoa, a declaração da morte presumida pode ser concedida judicialmente independentemente da declaração de ausência, eis que o art. 7º do Código Civil permite a declaração da morte se for extremamente provável a morte de quem estava em perigo de vida, como são os casos de naufrágio ou acidente aéreo. Contudo, a declaração da morte só pode ser requerida depois de esgotadas as buscas e averiguações, devendo a sentença fixar a data provável do falecimento.

Dessa maneira, como visto, o direito assegura que, com a morte presumida, os herdeiros do falecido possam garantir seus legítimos direitos de herança, pensões, seguro de vida, indenizações e outros, resolvendo uma situação da vida que, caso não fosse prevista na legislação, causaria uma série de problemas de difícil solução. 

A solução encontrada pelo direito talvez não seja a mais justa, mas, sem dúvida, assegura uma solução para esses casos de infortúnio, infelizmente presentes na vida das pessoas.
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*Miguel Gutierrez  é advogado formado pela São Francisco da Universidade de São Paulo – USP- , turma de 1989.  Especialista em Direito Tributário e Empresarial, é autor do livro “Planejamento Tributário: Elisão e Evasão Fiscal”-  Editora Quartier Latin. Trabalha no escritório de advocacia Paulo Roberto Murray