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Impecheament de Collor – Teria Começado Assim???

Hoje  comemoram-se os 20 anos do abertura do Processo de Impeachement do  Presidente Collor.

Nessa época,   eu fazia excelente curso de criação Literária com o saudoso Samir Meserani.  Para se ter uma idéia, prestigiado escritor já havia feito  uma ou duas novelas para a TV Globo e também  freqüentou as aulas do Samir.

O curso tinha mais ou menos a seguinte  estrutura criava-se uma personagem e se colocava a personagem em ação em situações diversas. Eu criei uma personagem maravilhosa, a Renata,  linda, inteligente, decidida – Só predicados. E fiz o conto abaixo, exatamente, quando processo narrado estava se desenrolando.

Renata, minha heroína,  não poderia ficar fora de momento tão crucial/ importante da história. Esse Paulo, jornalista brilhante, é meu conhecido desde os tempos de assembléias estudantis da USP. Trabalhamos juntos, por pouco tempo, na Folha Ilustrada. Ele, o Paulo, nome real,   teve mesmo  participação fundamental nesses acontecimentos. Os outros personagens conhecidos estão na história como meros personagens. Grande parte do que é narrado é pura ficção. A decisiva e deslumbrante presença da Renata deixou tudo isso ainda muito mais legal.

Um estudioso de mitologia, Propp – não sei se escrevi certo -, descobriu estrutura que se repete nas diversas histórias: o herói recebe determinada incumbência do rei – como matar um dragão , por exemplo, – viaja para um território/ reino vizinho, combate (e mata) o dragão, traz um pedaço do rabo do dragão para provar seu feito, é recebido com festas e se casa com com a filha do Rei.

E assim, no último capítulo, Renata é alçada à categoria de heroína mitológica da História Brasileira do final do sec. 20.

Já havia publicado aqui no Boca, muitos anos atrás.

É longo, mas vale a pena. Sem falsa modéstia.

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Título – Começou assim

Paulo já não usava mais a famosa camiseta listrada roxo e amarelo dos tempos da LIBELU, tampouco os cabelos até os ombros. Suas excentricidades agora eram outras. Nos períodos mais tensos do fechamento da revista, muitas vezes de madrugada, saía catando pelas redações da editora revistas femininas, de agro-pecuária, de turfe, de surf, infantis e masculinas. Fechava a porta de sua sala e passava a folheá-las lentamente. Dizia que isso lhe trazia soluções.

No dia do Plano Zélia, o velho Vicita (nome fictício)  entra em sua sala e dá de cara com ele examinando a página central da Playboy. Lógico que o chefão não falou nada. Afinal, onde acharia outro parecido com Paulo?

A idéia de que seu correspondente deixasse escapar aquele peixão que acabara de fisgar o preocupava. Dezenas de revistas espalhadas por todos os lados já foram folheadas e nada aconteceu. A ansiedade só fez aumentar.

“Tenho apenas a Nova, o resto já vi tudo. Mas que besteira a minha deixar para último lugar uma revista com poucas fotos e muito texto. De texto e de falta de texto, estou cheio”, pensou.

Nisso, ele bate o olho no título da página e na foto da articulista: “Epicuro e o seu dia a dia”. A bela Renata sorria soberana e doce ao mesmo tempo sobre todas aquelas letras. Na mesma hora, reconheceu a caloura deslumbrante que sempre chegava a USP de Jaguar branco conduzido por motorista, quando ele fazia apenas uma ou duas matérias que ficou devendo desde o primeiro ano na Faculdade de Filosofia. “Não sabia que essa menina colaborava com a Nova”. Começa a ler o artigo. Quando terminou, não havia mais qualquer desordem sobre sua mesa; apenas a pasta contendo todos os trabalhos de Renata que o contínuo havia pegado no arquivo.

Devora os artigos e mil idéias vão surgindo: “gozado, pensei que além de mim mais ninguém soubesse escrever de forma inteligível naquela faculdade”, divertia-se com sua falta de falsa modéstia. A segunda idéia pôs em prática. Acordou a editora da Nova (bem feito, tá pensando que fazer revista feminina é só moleza???, pensou rindo do seu sadismo) para pedir o endereço de Renata.

Lembrou-se do que sempre falava para seu amigo: “Mello, conte até três antes de dizer ou fazer qualquer coisa, – até TRÊS MILHÕES!”. Ele não era o Mello e já foi discando para a Renata. Eram quatro da manhã. Afinal de contas, seu sexto sentido, que nunca o traiu, lhe dizia que Renata era a pessoa certa para a missão. Sua ansiedade para por em prática logo o plano não permitiu que ele esperasse mais um minuto.

– Não sei se digo boa noite, boa madrugada, se começo pedindo desculpas. Você não me conhece e vai me achar louco, disse sorrindo.

– Já que a desgraça está feita, o que o senhor deseja. Devo lhe tratar por senhor e empregar deseja, pois certamente se considera Deus para acordar uma desconhecida a essa hora sorrindo.

Ironias feitas, Renata aceita o convite e às 10 horas da manhã está entrando no Restaurante do Hotel Ca d’Oro para o café com Paulo que havia passado em casa, tomado banho, feito a barba e já aguardava por ela.

Embora o SNI não trabalhasse mais a todo vapor, por precaução, telefones de jornais, revistas, rádios, televisões continuavam censurados. Essa escuta era feita de maneira aleatória, muitas vezes informações assim obtidas eram usadas em chantagens. Um telefonema àquela hora sempre era atentamente escutado e gravado, pois podia garantir “negócios” futuros.

Esperto e sabendo como ninguém cativar as pessoas polindo seus egos, Paulo foi logo dizendo de suas lembranças de Renata do tempo da faculdade. Passou a elogiar os trabalhos dela publicados, que na verdade o agradaram bastante, e mostrou que os tinha lido todos.

Pronto, a guarda estava aberta para propor a grande tacada.

Renata ouviu todo o plano, fez algumas poucas ponderações e ficou de pensar na resposta.

– É lógico que você precisa de tempo. Às cinco horas da tarde eu ligo para saber a resposta.

Rindo, Renata disse que nunca tinha visto atrevimento igual.

– Atrevido, não. Eu sou audacioso, arrojado. Atrevido é adjetivo para Paulo Maluf.

Os dois se despediram rindo.

Três horas da tarde, Renata liga dizendo que preferia conversar pessoalmente na redação.

Na entrada da editora, é conduzida por uma jovem para o último andar. Renata estranha. Quando a porta do elevador se abre, Paulo e o velho Civita esperam por ela.

Na sala da presidência, o chefão pega um calhamaço e começa a resumir o extenso contrato que pretendia assinar com Renata. Ela estava consciente dos riscos que corria e já havia tomado a decisão.

Proposta: todas as despesas pagas, incluindo roupas, jóias, US$ 20.000 de pagamento se o desempenho de Renata não resultasse em qualquer matéria e garantia de advogado e hospitais se a coisa desse mais errado ainda. Caso o plano funcionasse, além dos US$ 20.000, 10% sobre o preço de capa de todos os exemplares vendidos. O cálculo era de aquela edição especial venderia no mínimo um milhão de exemplares. Renata receberia aproximadamente US$ 520.000.

Esses números reforçaram ainda mais sua decisão.

Dispensou o segurança, mas aceitou o 32 cano curto. Sabia usar bem essa arma e a única coisa que a aborrecia era ter que carregar bolsa para guardá-la.

Chegando em casa, liga para a mãe e conta que embarca no dia seguinte para o nordeste a trabalho sem dar maiores detalhes.

Chico Botelho, o correspondente da revista no nordeste, já havia plantado em vários jornais, inclusive nos de São Paulo, Rio e Brasília a notícia de que aquele empresário estava na Europa há mais de quinze dias. Logicamente, sua revista deu a notícia com destaque. O fato de ninguém imaginar que o empresário estava no Brasil facilitava um pouco as coisas.

Apesar de habilidoso e muito bem relacionado, Chico há alguns meses vinha tentando (e fracassado sucessivamente) convencer o empresário a lhe dar uma entrevista gravada contando tudo o que sabia sobre aquelas negociatas. O fax que recebeu de Paulo descrevendo os predicados de Renata o animou um pouco. Mas não muito. Teve o mesmo sonho dos últimos dois meses: a capa da revista que planejara para aquele número ia se apagando lentamente e em seu lugar surgia outra – uma foto de uma vasta mesa de piquenique e o título DOCES E SALGADOS.

O combinado era que Renata e Chico se veriam apenas o mínimo necessário para resolver o caso.

Renata chega ao aeroporto, aluga um carro. Vai para a casa de praia guiada pelo mapa e por uma minuciosa descrição do caminho. Era impossível não chegar. O correspondente da Quatro Rodas tinha pessoalmente redigido o roteiro e desenhado o mapa. Estranhou que aquela C14 conduzida por um loiro oxigenado que lembrava o jogador Marinho Chagas do Natal e da seleção brasileira a seguisse. Estava preocupada. A estrada fica deserta. Decide com frieza seu lance. Faz sinal para que a C14 passe. Breca seu carro. Sai. Com dois tiros fura dois pneus. Acelera. Desaparece.

Liga para Chico e resolvem mudar os planos. Duas horas depois embarca para uma ilha a cinco milhas do continente, onde os tios de Chico têm uma casa. O encontro será aí. Renata pede dois dias para descansar e se preparar. Um barco chega trazendo uma empregada, uma cozinheira, um segurança e todas as compras necessárias para o jantar com o empresário.

Renata descansa e Chico cuida de todos os detalhes.

Chico chega duas horas antes do empresário e quer montar alguma estratégia com Renata. Ela argumenta que já sabe o objetivo do encontro e que melhor era ir agindo de acordo com a situação, sem grandes planos pré-estabelecidos.

O vestido vermelho, com decote razoavelmente generoso, o singelo colar de pérolas, o cabelo longo, preto e liso e, sobretudo, a boca e voz de Renata fascinaram o empresário.

Ela, por sua vez, também o achou muito bonito e, à medida que as bebidas e o papo iam se sucedendo ficava cada vez mais impressionada com ele. Prudente, parou de beber após o terceiro uísque. Já estava descontraída e mantinha o controle total da situação.

Durante o jantar, propriamente dito, ela e Chico conduzem a conversa para as negociatas que estavam sendo feitas por todos os lados. Para impressionar Renata e demonstrar intimidade com o poder, o empresário vai fazendo relatos inacreditáveis.

Renata faz uma primeira tentativa direta de convencê-lo a dar uma entrevista para Chico. Insucesso.

Dá mais corda para ele enquanto pensa em novos argumentos. Chico desiste e decide ir embora. O empresário diz que vai junto, mas muda de idéia a pedido de Renata.

Sozinhos os dois, o empresário passa uma sutil cantada e tenta acariciar os cabelos de Renata. Ela se afasta. E resiste, apesar de estar a fim. Lembra-se do provérbio: onde se ganha o pão, não se come a carne e muda o rumo da conversa.

Percebendo a vaidade e o ciúme que ele tinha do seu parente famoso, diz fingindo despretensão.

– Curioso, tem muita gente que poderia entrar para a história e deixa a oportunidade passar sem se dar conta disso.

Ele não entende.

– Você mesmo, se desse uma entrevista para a gente, contando tudo isso, entraria para a história. De certa forma, até como herói que ousou desafiar os mais poderosos em nome da honestidade.

– Entrar para a história não me interessa, o que quero é viver em um país mais honesto.

Além de bonito, ainda sabe mentir o danadinho, pensou rindo por dentro e sentindo que a coisa estava bem encaminhada.

– Pois então, concorde com a entrevista e você estará colaborando para um país mais honesto.

– Você me convenceu. Eu topo.

O empresário vai embora. Eram três horas da manhã. Ela pega o telefone:

– Não sei se devo dizer boa noite ou boa madrugada, fala Renata repetindo a primeira frase que Paulo lhe disse.

– Como é doce o sabor da vingança, não é Renata?

– Convenci o homem a dar entrevista. Amanhã à tarde, eu e o Chico estamos aí com ele.

Durante cinco horas, o empresário é entrevistado em São Paulo, por Chico, Renata, Paulo e o editor chefe da Revista.

Dois dias depois, no fim da tarde, Renata liga para o empresário e diz que deixaria na portaria do hotel, o mesmo Ca d’Oro, um exemplar da revista que ela acabara de receber. Ele sugere um jantar no restaurante do hotel. Para ela, aquele era um dos melhores restaurantes do mundo. Adorou a idéia.

– Venha com aquele vestido vermelho, pediu ele.

Com a sensação de dever cumprido, a conta bancária mais gorda, Renata estava ainda mais deslumbrante.

No restaurante folheiam a revista, conversam muito, comem divinamente e bebem legal.

– Que tal um Vinho do Porto no meu apartamento?, ele propõe.

Ela pensou: ganho o pão, come-se também a carne.

Entre os lençóis, a revista com a foto dele na capa e o título: “Pedro Collor Conta Tudo”.