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PERSONALIDADE?

Quando se é jovem, todo o tempo do mundo ao nosso dispor.

Assim, o Mário, meu amigo desde o início dos anos 70, que morava na Rua Bolívia, pouco depois de nos conhecermos no colégio,  sem me avisar, sem nada, saiu a pé para a minha casa, vizinha  ao Shopping Iguatemi.  Não viu meu carro na porta,  nem tocou a campainha e, como dizia meu querido e saudoso irmão Beto, voltou pra trás.

Cinco horas da tarde de uma quinta-feira em março deste ano, eu     já havia chegado ao lugar  onde teria uma aula às 19,30.  Embora já não fosse mais  jovem, muito pelo contrário,  tinha um monte de tempo antes de o curso começar.  Fui a pé  visitar o Mário, no escritório dele, em frente ao  Shopping Eldorado da Rebouças.

Chego lá;  não, não é que  ele não estivesse.  O Mário  havia, isso sim, se  mudado de escritório.  No dia seguinte,  mandei-lhe mensagem comentando que se passaram trinta e cinco  anos para  conseguir me  dar o troco.  Ele respondeu de forma divertida,  enaltecendo minha prodigiosa memória.

Errar é humano, persistir no erro é personalidade,  uma das inúmeras frases minhas,  contrariando  provérbios.  Acontece que os ditos populares têm sabedoria de um povo,  suporte de uma cultura.  Já  minhas frases,  jogando confete em mim mesmo, o que, segundo Lila, conhecida minha,    faço com perfeição,  limitam-se a  tecer críticas  com alguma  perspicácia.

Mal se passou um mês, e eu de novo em visitas sem avisar.

Persistir no erro é personalidade, é?  Vai nessa,  Paulinho das Frases, vai !

Lógico, que eu vou, já que  adoro minhas frases.

Comecinho de noite de sábado, coincidentemente, eu em frente à casa do Pedro, meu parente de sexualidade um pouco ambígua.

Da calçada,  grito  seu nome.

–  Nossa, como cê chegou cedo!   Espera um minutinho que eu tô indo pro quarto e você pode entrar e subir.

Cheguei cedo?  Indo pro quarto? Posso entrar e subir?   Que história é essa?

Entro,  chamo por ele e digo que estou subindo.

–  Sobe logo, Maurício, sobe!

Maurício?

Abro a porta do quarto e o Pedro   com um micro shorts de redinha  e um colant, ambos pretos.   No colant,  arco-íris que não tinha fim;  na mão esquerda,   chicotinho.

– Paulo, é você?

Para não encompridar muito a conversa,   respondo com voz pausada e calmamente:

–  Sim, sou eu.   Que roupa legal, Pedro!

Rimos muito, mas na hora em que o Maurício chegou, fui-me embora.   Vai que eles me convidam pra participar daquele amorzinho gostoso.  Eu, hein?!

Crônica Minha em Segundo Lugar Na Mostra ACESC de Literatura

Última terça-feira, na sede da Fiesp, na Av. Paulista, em S. Paulo,  minha crônica Inesquecíveis e Desprezados recebeu o Prêmio  de Segundo Lugar na Mostra ACESC de Literatura.  ACESC é a sigla de  Associação de Clubes Esportivos e Sócio-Culturais de São Paulo.

Se quiser ler, lá vai.

 Inesquecíveis e Desprezados

Há cerca de um mês, aconteceu fato quase inédito na minha vida.

Fim de tarde, como sempre, eu a pé pelo bairro;  aliás, meu carro mais parece fazer parte da estrutura da garagem do  prédio do que meio de transporte.    Moro perto da Estação Marechal Deodoro.  Se tem metrô próximo ao local aonde  vou, você pode me oferecer  um Jaguar com motorista, que eu dispenso.   E ando léguas diariamente.  Ao invés de fazer baldeação na Sé, quando uso a linha azul, desço ali e  vou caminhando para casa.  Essa é apenas uma das tiradas que faço quase todos os dias.

Um mês  atrás, na Cardoso de Almeida, esquina com a Cândido Espinheira,  uma Loja de Sapatos.  Parece que um anjo falou para eu entrar.  Explico: meu pé é muito alto e curto.  A ponta de  um sapato, em que meu pé entre,  vai chegar sempre meia hora  antes de mim.  Falei sobre isso com a gerente da loja e que sempre,  exceto duas vezes na vida,  tive que comprar sapatos sob medida.  Ela disse que esse problema é comum e que eles produzem sapatos  com quase o dobro  de tamanho na altura.  Pedi um 38. E não é que ficou perfeito no meu pé.  Foi confortador saber que não era um “desprivilégio” exclusivo  ter pés assim.  Confortador, não por inveja dos pés da imensa maioria, mas por encontrar  uma loja para mim e meus pezinhos.

As duas únicas vezes em que havia conseguido comprar sapatos prontos foram na Calle Lavalle, em frente ao hotel em que me hospedei  em Janeiro de 72, em Buenos Aires.  Ficaram ótimos, confortáveis como só vendo, ou só andando para sentir.

Coincidentemente,  voltei para a Argentina seis meses depois.  Fui à loja, o vendedor era o mesmo, disse-lhe  que os sapatos que comprara em janeiro  eram confortabilíssimos e perguntei se ele  lembrava-se de mim.

– Lógico que me lembro.  Quem se esqueceria de pés como os seus?

Toda essa dificuldade  para encontrar sapatos sempre fizeram que eu os usasse até seus últimos suspiros.  Havia um, em particular,  que era eu calçar e, em uníssono,  meus amigos e família:

– Paulo, joga fora esse sapato, que absurdo!

E eu firme com ele.  Como  digo, errar é humano, persistir no erro é personalidade.

Eu no colégio.   Um pedinte na porta da minha casa.  Minha mãe não teve dúvidas: despachou meu sapato.

No domingo, na praça em frente de casa,  amigos, amigas e eu  conversávamos próximos  à gangorra, o escorregador e o trepa-trepa.

Um dos meus amigos aponta:

– Paulo, olha, os seus sapatos estão aqui embaixo da gangorra.

E lá estavam eles,  desprezados  também por um pedinte!