Se onze em cada dez homens têm fetiche por ver duas mulheres bonitas e gostosas transando, entre adolescentes, a proporção deve ser maior ainda.
Assim, eu e meus amigos, todos de 13 a 15 anos, ao sabermos, com três meses de antecedência, que o Filme Les Biches, com muitas cenas de sexo de mulheres com mulheres, seria exibido em cinema vizinho de casa, começamos a produzir documentos falsos:
• Xerox coloridos das próprias carteiras de identidade adulteradas;
• carteiras de motoristas de irmãos mais velhos;
• e até mesmo o passaporte do tio de um dos amigos, que já havia falecido.
Foram alguns fins de semana inteiros na empreitada. A garagem da casa do Duda e do Roberto parecia até uma gráfica. Diversos tipos de pincéis, inúmeros carimbos, uma máquina de plastificar e até mesmo marcador do escudo nacional em relevo, tudo com o objetivo de dar credibilidade absoluta a todos os documentos.
E o empenho valeu mesmo a pena. Eram verdadeiras obras de arte da subterrânea arte da falsificação. Garanto que nem hoje, como todo o avanço dos computadores pessoais, alguém produziria documentos mais fidedignos.
E uma hora antes de abrir a bilheteria para primeira sessão do filme, lá estávamos nós enfileirados.
– Legal. A bilheteira não falou coisa alguma. Tá no papo.
Acontece que ela era apenas a primeira barreira. Havia um segundo obstáculo a ser transposto, aliás, obstáculo duplo, desafio para atletas de salto triplo, já que além do porteiro, estava na entrada um agente do Juizado de Menores de terno preto, com dois emblemas de polícia civil pendurados em grossas correntes douradas.
– Boa tarde, garotada. Onde vocês pensam que vão.
-Ao cinema, naturalmente.
-Naturalmente, com documentos falsos, não é mesmo?
-Em hipótese alguma, policial.
E em cada documento apresentado, o cara relacionou pelo menos cinco imperfeições.
-Eu poderia muito bem chamar os pais de vocês aqui para levá-los para casa. Mas não quero dar esse dissabor a eles. Podia ainda apreender os documentos falsos. Mas também não vou fazer isso, pois acho que será uma recordação que todos vocês vão querer levar para o resto da vida.
-Muito obrigado. Valeu mesmo. Até logo.
-Até logo, não. Vou fazer fotos de cada um de vocês, que serão impressas e distribuídas em todas as salas de cinema e de teatro do Estado de S. Paulo, com a indicação da data em que cada um completa 18 anos.
-Legal, obrigado – meus amigos e eu falamos simultaneamente.
-Enquanto isso, vão comprando revistinhas do Carlos Zéfiro, mas digam para os jornaleiros ficarem espertos, porque se eu pegar, eles vão em cana e dessa vez serei obrigado a chamar os pais de vocês.
Perdemos a esperança de assistir ao filme Les Biches, em compensação nunca no bairro se venderam tantas revistinhas de sacanagem, às quais nos referíamos como catecismo, e que, invariavelmente, vinham dentro de uma Manchete ou Fatos e Fotos, que também tiveram substancial aumento de saída naquela banca.