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FASCÍNIO PARTE 1- RENATA: COMO TODAS GOSTARIAM DE SER E QUE

De 14.11.06

Episódio de hoje: “ALÇADO E BELO”

Adoração. É o que Renata sente por São Paulo. Sobretudo pelas imagens noturnas que a cidade proporciona aos que sabem apreciá-la. Aquela longa linha de luz branca de mercúrio que começa na Augusta com a Paulista e vai até onde a vista alcança é indescritível. O largo do Paissandu, o Ponto Chic, o bauru, o chope. A praça Charles Muller com o Pacaembu ao fundo, quantas emoções não foram aí vividas!? As casas penduradas nas encostas dos morros sobre a avenida Pacaembu (ah, como deveria ser bonito o rio que por ali passava e que todo janeiro parece querer ressuscitar e recuperar esses anos em que esteve enterrado!). Para ela, emoção, paixão, adoração traduzem São Paulo.

Essa paixão não a cega a tal ponto negar as paisagens do Rio de Janeiro. Como todo mundo, fica deslumbrada com aquela beleza natural, eterna e gratuita. Mas de uns três anos para cá, está percebendo que, ao deixar o Rio, é tomada por um leve sentimento de frustração que não sabe descrever.

Uma tarde azul em São Paulo vê um urubu no céu e se lembra da frase de Paulo Mendes Campos no seu livro de gramática do ginásio exemplificando conjunção adversativa: “o urubu é ave feia mas possui um vôo alçado e belo”.

Repete mentalmente e se coloca no lugar do urubu planando no céu. Fica imaginando se o urubu se dá conta da beleza do vôo e se usufrui desse poder que a natureza lhe deu.

O pensamento, que estava tranqüilo, se agita: o vento, o mar batendo nas rochas, os meninos de asa delta… “Tá aí a causa da minha frustração toda vez que saio do Rio!”

Dois dias depois.

Uma rápida e decidida corrida e pronto. Renata e seu amigo, Pepê Silveira, campeão mundial de asa delta, planam sobre todos e todas as coisas. Um pouquinho apavorada, olha para Pepê e sorri. O primeiro momento é de preocupação. A plataforma ficou cem metros para trás e o chão, duzentos metros abaixo. Dois minutos depois, realiza que está voando exatamente como o urubu da sua tarde e do Paulo Mendes Campos – um vôo alçado e belo.

Para ela tudo era muito mais – a vista inusitada, a sensação em si, novamente a lembrança do urubu e da dúvida: ele se dá conta da beleza do vôo que desenha no céu e desse privilégio??? Esperava que sim. Pois ela estava vivendo os melhores momentos de sua vida. Imaginou outra frase para livros de gramática, agora exemplos de conjunções aditivas: a Renata é feliz e também possui um vôo alçado e belo. A alegria e felicidade desse instante poderiam apenas se comparadas às que sentia nas noites de Natal. Tentou falar isso ao seu amigo durante o vôo. Queria compartilhar emoções. Como fosse impossível conversar, guardou para si seus pensamentos. Passando próximo às janelas dos prédios, imaginou que Papai Noel deveria abandonar os trenós e também usar asa delta. Pena que Papai Noel não existisse, ele iria adorar! Era até bom não poder conversar naquelas circunstâncias. Se contasse esses pensamentos, Pepê imaginaria que ela tinha fumado antes de saltar e ficaria apavorado. Como ela era feliz nesses instantes e com esses pensamentos malucos nesses instantes!

Aterrissagem perfeita.

No bar, tomando chope, Renata diz para o amigo que, para compensar a recente morte de Papai Noel, todos os finais de ano dará um salto de asa.