Faz tempo que não posto aqui e decidi bem nesse momento de polêmica incandescente.
Não, mas não é para entrar nessa, é apenas para contar um episódio eleitoral.
Lá vai:
Domingo dia da eleição Collor x Lula. Havia combinado de ir com meu pai e os amigos dele jantar no Forcheta D´Oro. Desde sempre, eles jogaram um pôquer baratinho, depois de terem almoçado com as famílias.
No grupo, eleitores de Lula e Collor. Lógico, velhos, falando de política, aquela discussão em voz alta. Meu pai tinha verdadeira ojeriza a desrespeitar o direito do próximo, ainda que infimamente. Assim, na hora de sairmos para o restaurante, ele deixou claro.
– Bem, não vamos mais discutir política. Haverá outras pessoas no restaurante e não podemos incomodar ninguém.
Todos concordamos.
Um quarteirão antes de chegar, reluzente no estacionamento, todos vimos um dos Mercedes do saudoso Mário Ferman, médico pernambucano amigo nosso. O carro estava coberto, literalmente coberto, de propaganda do Collor. Mário, além de falar “pernambucano”, com sotaque carregado, falava muito, muito, alto, sobretudo a respeito de política.
Como no nosso grupo havia alguns eleitores do Lula, ele nos saudou, falando, corrijo, gritando:
– P E R D E R AM! P E R D E R A M!
E o Mário não parou mais de gritar.
Uma hora depois, sai de outra sala um senhor de uns 80 anos com a mulher, a filha e o neto. Ele pára na nossa mesa e diz:
– Espero que os senhores tenham excelente jantar.
O que ele quis dizer era óbvio:
– Espero que os senhores tenham excelente jantar, coisa que vocês não permitiram a mim e à minha família.
Pois não é que o Mário, sempre que nos encontrava , fazia questão de se lembrar do episódio, inclusive repetindo a frase que o senhor falou e, lógico, sem jamais se esquecer da parte engraçada – Coisa que vocês não permitiram a mim e à minha família.
Sarita, diretora de prestigiado colégio judeu, me contou há cerca de um ano que o Mário havia morrido.
Tenho absoluta certeza de que, logo mais, Mário, meu pai e os amigos dele, após o joguinho de pôquer , vão comer um macarrão na filial do Forcheta no Céu. E os vizinhos de mesa vão achar que estão no inferno dos decibéis; entretanto todos irão se divertir muito e, o principal, ninguém vai brigar com ninguém por causa de política. Ainda em relação ao barulho, torço para que os fregueses das outras mesas sejam generosos e pacientes como a família que jantou sob a mais pavorosa trilha sonora naquele domingo de 1989.