Estranho, era estranho, mas não desconfiei de coisa alguma.
Parei o carro em frente à garagem do vizinho, toquei
a campainha no consultório do dermatologista e disse que já havia chegado e que
só precisaria estacionar, o que não era tão difícil assim naquela época.
A secretaria me falou que eu
não precisaria ter pressa.
Curioso, já que quarenta
minutos antes, eu havia ligado ao consultório avisando que me atrasaria um
pouco. E ela pediu para que o atraso não fosse
grande, pois havia muita gente a ser
atendida.
Agora me diz para não ter
pressa…
Toco a campainha, a mesma
secretária abre a porta.
Um revólver na minha
cabeça. E começavam ali as duas horas
mais tensas que já vivi.
Dois ladrõezinhos pés de
chinelo estavam assaltando a clínica, que
um psicólogo e uma dentista de crianças excepcionais dividiam, naquele modesto sobrado, com o meu dermatologista.
Eram umas duas e meia da tarde e clientes não paravam de chegar.
Dirigi-me ao assaltante chefe
e perguntei se poderia dar uma sugestão.
Ele concordou. Disse que já havia
muito sofrimento ali dentro e que a secretária informasse aos próximos que chegassem que o médico havia faltado e que
ela ligaria para indicar novo horário.
E assim foi feito.
Meu médico preencheu cheque
que os ladrões exigiram e ligou para o
gerente, pedindo que pagassem, que no
dia seguinte ele iria lá para cobrir o
saldo negativo.
Ao banco foi o líder, que
deixou o comparsa, um verdadeiro idiota, tomando conta dos reféns. O cara devia ser um escritor frustrado, que não teve oportunidade
de fazer curso de crônicas e compensava isso criando histórias reais de terror, com muita imaginação.
Sem que percebêssemos, descarregou um dos revolveres.
Meu médico, um nerdy, embora
não houvesse o termo na época, entrou em
primeiro lugar no Vestibular de Medicina na USP. Pois bem, o enredo daquela tarde era dizer
que o meu médico havia transado com a mulher de um amigo dele e que ele iria
vingar esse amigo.
Encostou a arma sem balas na
cabeça do meu médico e duas vezes puxou o gatilho.
A primeira parte da
brincadeira seguinte era ficar pondo balas no tambor das duas armas e retirando
as balas. Deixa uma das armas bem ao meu
lado e vai para a cozinha.
Minha primeira ideia era me
esconder atrás da porta e assim que ele entrasse descarregar o tambor na cabeça
e nas costas do desgraçado.
– Paulo, larga de ser idiota,
uma única vez, você, a dois metros de distância, deu cinco tiros em uma lista de telefone e
não acertou nenhum – pensei comigo mesmo.
Ele volta e vê o revólver no
mesmo lugar em que havia deixado.
– Nossa, ninguém mexeu na
arma – disse, olhando para mim.
Eu:
– Lógico que não, a arma é sua, logo ninguém iria pegá-la.
Ele:
– Foi ótimo vocês não terem mexido. E aperta cinco vezes o gatilho. Não havia uma bala sequer.
Ele queria é que eu pegasse a arma, apertasse cinco vezes o gatilho e aí, de acordo com Código Penal que certamente criara, me mataria em legítima defesa.
Finalmente, volta o
companheiro dele com o dinheiro vivo,
sacado da conta do meu médico, em duas
sacolas de supermercado.
Já na reta final da coisa,
estávamos todos sentados. O assaltante que havia ido ao banco põe um cigarro na
boca, procura nos bolsos e não encontra
fósforos. Coincidentemente, ao meu lado,
um isqueiro bic. Com gestos lentos,
alcanço o isqueiro mostro para ele e digo:
– Posso acender seu cigarro.
Ele:
– Nossa, você nuca vai se dar
mal em um assalto.
– Você deseja um outro assalto para mim?
Nisso, eu já estava quase
íntimo do cara, ponho a mão no seu ombro e peço:
– Por favor, vão embora,
vocês já submeteram muita gente a muito sofrimento.
– Fique sossegado, não vai
acontecer nada com ninguém, principalmente com você.
E eles foram embora com o
dinheiro e sem que nenhum de nós tivesse
sofrido um único arranhão que fosse.
Sentei-me no meio fio e chorei.