Na madrugada da última segunda-feira, aos 93 anos, após mais de um ano e meio de batalha pela vida, meu pai deixou este mundo. A Missa de Sétimo dia será segunda-feira, dia 16, às 20 horas, na Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, R. Honório Líbero, N.100 – Jardim Paulistano, São Paulo, Próximo ao cruzamento da Faria Lima e Rebouças. Como escrevi em email comunicando os mais próximos, basta que peçam na hora da missa que o meu caminho e o dele sejam sempre iluminados e tranquilos.
É bom nessas horas lembrar-se de coisas divertidas de quem parte. E meu pai tinha muitas.
Vou começar por algumas frases dele.
Depois, duas crônicas minhas e, para terminar, belíssimo Poema da querida Roberta Estrela D´Alva, que ela leu ontem na abertura do Zap e dedicou à memória do meu paizito.
As frases dele; curioso, que bem a primeira é sobre velório.
- O velório é a única solenidade em que o homenageado está impedido de se manifestar.
- Minha mãe foi a última dona de casa que conheci.
- “Nossos problemas acontecem porque nos levantamos da cama.” Alguns, porque nos deitamos na cama.
- Com um ponto de apoio, Arquimedes seria capaz de levantar o mundo; com apoio moral, entretanto, não se levanta nem pensamento.
- Se Deus fosse mesmo brasileiro, imagina o que seria do Mundo!!!
- O sujeito velho tem muita coisa pra contar e mais ainda para não contar.
- O pior da festa é esperar por ela.
- Quem canta seus males – Espanta!!! – É diferente do que já existe, observe a pontuação.
- Para Bolsa de Valores despencar, basta um peido mais forte no pregão. (apesar de ele, tampouco eu, jamais termos aprovado o mau gosto, a frase é boa e verdadeira.)
As frases acabaram-se.
Agora os episódios que são o retrato escrito dele, pintado/digitado por este escriba, que tão bem o conhecia.
Episódio 1: Hiram, Édipo e Genoefa
Os amigos do meu pai dos tempos de São Francisco o definiam assim:
– O Hiram entra no restaurante e já vai logo pedindo, de uma só vez, filé bem passado com fritas, coca-cola, pudim de caramelo de sobremesa e troco para 10 mil Réis.
Quando eu ainda morava com ele, chego em casa e ele me diz:
– Paulo, o Mário ligou e disse que o pai do Fábio morreu.
Eu perguntei onde era o velório. Meu pai disse que o Mário não falou nada sobre velório. Ligo pro Mário e pergunto se ele estava a fim de me encher para deixar um recado que o pai do Fábio morreu e não informar onde era o velório.
O Mário reproduz para mim o diálogo com meu pai:
– Dr. Hiram, tudo bem? O Paulo está?
– Não, o Paulo não está!!!
– O senhor diz para ele que o Pai do Fábio morreu.
– Tá bom, eu digo!!!
– Mas dr. Hiram….
– Já entendi, o pai do Fábio Morreu
– Mas dr. Hiram…..
– Mário, eu não sou burro. O pai do Fábio morreu. Tchau!!!
E bateu o telefone (meu pai é muito educado; a aflição, entretanto, é infinitamente maior…)
Faz uns 25 anos que não moro mais com ele. Ou seja, isso se passou um quarto de século atrás. Imaginem, pois, como está o homem hoje, aos 86 para 87 anos de Idade!!!!
Esqueci de falar, talvez tenha ficado ansioso por osmose – o teclado por estar escrevendo sobre meu pai me passou ansiedade – meu pai é um sujeito brilhante, muito inteligente, lê bastante e usa o computador como um garoto de quinze anos.
Genoefa é a versão feminina e bem mais jovem do meu pai. Eu a conheci – há uns três anos – na entrada dos cines Belas Artes. Eu ia a um filme e ela, a outro. Trocamos meia dúzia de palavras. Na saída, eu devo tê-la impressionado muitississississimo mesmo porque ela estava me esperando. Genoefa e meu pai não são de esperar!!! Coisa alguma, pessoa alguma!!!! A aflição os mata a ambos. São daquele tipo de pessoas que se jactam de fazer no mínimo três coisas ao mesmo tempo. Eu, ao contrário, fiz foi uma frase sobre isso:
Duas coisas fáceis ao mesmo tempo tornam-se difíceis e uma delas sai errado.
Outra coisa em comum – essa muito favoráveis aos dois, pois prova que são de muito bom gosto:
Eles têm uma “obsessão obsessiva” por mim!!!!
Parece divertido, né???? Mas queria ver qualquer outro no meu lugar !!!
Liás (sem aspas) Genoefa acabou de telefonar neste exato instante em que eu escrevia esse parágrafo – não tinha novidades, mas ficou 15 minutos falando!!!
Tivemos um namoro rápido e uma amizade colorida (essas coisas não terminam, né???).
O dia em que a Psiquiatria/Psicanálise descobrir meu pai, a Genoefa e eu, seremos colocados em uma espécie de carro forte de banco para que nada nos aconteça até que seja estudado exaustivamente o fenômeno que me acometeu:
Envolver-me – não com uma mulher que lembre minha mãe – mas com uma que é meu pai terminado.
Eu sou um Édipo Viado!!!!!!!!
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Episódio 2 – EDMUNDO
De 21.09.06
Segunda-feira, há alguns anos, por volta das 13 horas.
No Domingo, o Edmundo fora expulso com toda a pompa que seu nome requer. Muitas pernadas pra todo lado, um monte de polícia pra retirá-lo do campo, mais tentativas de pernadas nos policiais e assim por diante. Não tenho nada contra esportistas irreverentes, audaciosos e temperamentais. Pelo contrário, sou fã do John McEnroe, Nélson Piquet, entre outros. Também admiro esportistas bem comportados, é verdade. Aliás, faço restrição a poucas celebridades. Jogador de futebol, propriamente dito, só me lembro de um que realmente não agüento. Um dia posso escrever alguns episódios sobre ele.
Voltando ao Edmundo e àquela segunda-feira.
Estava com meu pai em um super-mercado de porte médio. Meu pai foi pagar as contas dele em um caixa e eu estava no caixa diametralmente Oposto. Meu pai é um homem de 85 anos, de ótima cabeça e das pessoas mais educadas do mundo. Fala muito alto, como todo velho, é verdade. Apesar de extremamente educado e tratar os humildes com imensa consideração (aliás, trata bem todo mundo), vira uma verdadeira fera se é alvo de qualquer arrogância e ou estupidez. E parece que arrogância e estupidez eram os grandes atributos do gerente que foi atendê-lo.
Pois bem, meu pai não deixou barato. Com toda a razão, começou a gritar e a esbravejar com o tal gerente.
A moça do Caixa que estava me atendendo falou rindo para todos à sua volta:
– Ih gente, olha lá o Pai do Edmundo!!!!!!
Peguei meu troco às gargalhadas com a definição da mulher. Sem dizer nada, evidentemente.
Meu pai se diverte até hoje contando essa história para todo mundo. Eu, por minha vez, ganhei um irmão famoso!!!!
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Para terminar, o Deslumbrante Poema da Deslumbrante Roberta Estrela D´Alva que ela leu ontem no Zap e dedicou ao meu Pai.
Dança da morte –
Roberta Estrela D’Alva
Boom , e acabou
ou começou
o que restou
o que ficou
dor que chegou
dor que findou
roda girou
vento levou
a vela apagou
a chama ascendeu
a voz se calou
o corpo desceu
a saudade no peito não para, não cala , não sara
insiste não quer parar.
mas já sabíamos desde o começo
que essa vida é curta e tem seu preço
e o que vem depois eu desconheço
embora soubesse o fim já desde o berço
que a cada minuto, a cada segundo,
a cada palavra, a cada oração
caminhamos direta e inexoravelmente nessa direção
e são tantas histórias
e são tantas feridas
e são de saudade
as lágrimas quentes agora vertidas
injustiças, inverdades, cometidas e ditas
pela não compreensão
da eternidade, da imortalidade
pela falta de fé e ilusão
pois o retorno é inevitável
são só dois lados do mesmo som
morte e vida , vida e morte
matérias primas de toda criação
a carne se desfaz mas o espírito não
o flow da vida segue, o beat não para, só coração
a carne se desfaz mas o espírito não
o flow da vida segue, o beat não para, nem o coração!
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Que ele esteja bem lá no Céu e descanse de tanta correria aqui na Terra!!!
Beijo, Paizito Querido.
Fique com Deus, com seus amigos, nossa família, mas dá sossego pra todo mundo aí cima, viu???
Paulo, lindas homenagens! Bonito e correto lembrar das coisas boas ao invés de ficar se lamentando. Seu pai deve estar comovido, apesar de que, certamente, já imaginasse que você faria isso.
Beijos
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Maria Inês:
Suas palavras são sempre doces. Tenho certeza de que ele sabia que eu faria isso, principalmente relembrar a frase dele sobre velório.
Beijos
Paulo Mayr
Paulo, parabéns pelo bom humor neste momento difícil. Claro, temos de aceitar, e nós também terminaremos um dia… Eu até acredito que encaro a morte melhor do que muitas pessoas, mas acho que aos poucos todos nós nos acostumamos com ela. Existe uma espécie de fé nisso — acreditar nas lembranças, acreditar no que de positivo aquela pessoa deixou. Lembro-me muito bem das palavras escritas pela querida vovó Lúcia, que foram colocadas num ‘santinho’: Devemos dar o melhor do nosso carinho, pois nunca se volta pelo mesmo caminho… Para você ver como isso ficou gravado em mim. É verdade: vamos dar o melhor de nós, cada gesto, cada palavra, pois só isso poderá ser lembrado e permanecer…
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Querido Sobrinho Antônio:
Acho que nem se trata de humor. Transcrevi frases e aspectos curiosos do meu pai. Honestamente não me lembrava do santinho. De qualquer forma é o que venho tentando fazer sempre: dar o melhor de mim para todos que estão ao meu redor, inclusive eventualmente e que nunca mais me encontrará. Meia hora atrás, no supermercado, coloquei isso na prática.
Abraços
Paulo
Homenagem maravilhosa Paulo, parabéns.
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Caro Júnior:
Mto obrigado. Pense em mim amanhã.
Abraços
Paulo Mayr
Paulo, tem muitas outras histórias do seu pai para você contar, como aquelas que ele presenciou com os seus então vizinhos (o da casa em frente, o da esquina da praça etc). Boas lembranças e bons exemplos – além de ótimas risadas!
Um grande abraço!
Zé
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Caro Zé:
Você não imagina como eu pedi para ele ir escrevendo essas histórias, que a gente faria uma edição caseira e entregaria para os amigos. Ele tinha uma história melhor do que a outra. Aqui está uma Curioso é que eu mesmo não tinha me dado conta de quão engraçada era esse caso. Contei para uma amiga e ela falou para eu escrever.
Grande abraço
Paulo Mayr
Grande homenagem Paulo. Deixo a você meu abraço e guardo com carinho os momentos que estive com seu pai.
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Caro Duda:
Mto obrigado. Ontem estive com sua mãe e ela também foi muito carinhosa comigo.
Veja que legal saiu na Folha de hoje. Clique aqui
Comovido abraço na família
Paulo
Uma grande homenagem,por tudo de bom que seu Pai proporcionou e o fêz com muito carinho e dedicação.
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Caro Cícero:
Fico contente que você tenha gostado.
Obrigado pela força de sempre.
Grande abraço
Paulo Mayr
Então agora ficou claro para mim de onde vem esse seu jeito peculiar com as palavras… Sinto muito pela sua perda. Como sempre, me deleito em suas palavras… Abraço carinhoso dessa bibliotecária sumida!
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Cris:
Obrigado pelos elogios que se estendem ao meu pai.
Obrigado pela força e não suma mais.
Abraço
Paulo Mayr
Paulo, estive aqui. Pena não ter participado da vida de vcs, mis tempo. Teria enriquecido a minha de estórias. Bjs.
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Beth:
Legal. Meu pai também gostou muito daquela “tarde jurídica” em companhia de uma colega.
Beijos
Paulo Mayr