A nova série que o Fantástico está apresentando sobre a Conciliação como forma de resolver problemas judiciais mostrou ontem um fato, exemplo perfeito de uma regra que está se tornando o padrão no Brasil.
Quando éramos crianças, os cinquentões de hoje, ouvíamos com freqüência, da boca de tios, avós e pais a civilizada norma vigente:
A liberdade de cada um vai até onde começa o direito do próximo.
Hoje o que impera é exatamente isso aí – mas ao contrário.
A liberdade dos vândalos/búfalos é infinita; o cidadão, por sua vez, se torna a cada dia mais acuado, cerceado em seus direitos essenciais.
Ficou claro isso na nova série do Fantástico sobre Conciliação.
Distinta senhora que mora em apartamento no centro da cidade e trabalha em casa é atormentada o dia inteiro por pássaros barulhentos de uma vizinha de andar. Não satisfeita, essa vizinha ainda conquistou na marra o corredor, área comum, onde deixa os pássaros (leia-se na porta da primeira moradora).
Pois bem, a tentativa de conciliação mostrou-se totalmente infrutífera pois a dona dos pássaros garantiu que tudo vai ficar exatamente como está.
Tentei rever o episódio hoje no site da TV Globo para poder escrever com mais precisão e segurança sobre o assunto, mas a página do programa na Internet apresentava erros. Quem sabe o leitor tem mais sorte. Deixo o Link.
Tenho uma sugestão a fazer para a vítima dos abusos: dar parte em órgão de proteção dos animais, que estariam sofrendo ao serem mantidos em cativeiro. Parece que funciona. Como parece também que no nosso mundo de hoje os animais têm mais direitos dos que os cidadãos.
Repetindo e concluindo: A liberdade dos vândalos/búfalos é infinita; o cidadão que se dane nos seus direitos fundamentais.
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Rápida ficha técnica: Tentei colar aqui, mas também não tive sucesso
Mayr,
Quando a conciliação falha a gente tem de usar a criatividade:
Sugira à vizinha prejudicada que comece a criar gatos. Eles adoram pássaros.
Viver em condomínio necessita de arte. Cada pessoa se julga o dono do pedaço e das áreas comuns. Se você já participou de alguma reunião de condomínio,com certeza já presenciou aquela vizinha, amorfa na classificação psicológica,ou seja, inativa, sem emoção e sem reação emocional, na reunião se posicionar e exigir e brigar. Também já viu gente costumeiramente mais entusiasta agredir com palavrões outros vizinhos. Dai vem a expressão: Reunião de Condomínio. No popular, bagunça.
Assim, a dona dos pássaros provavelmente tem a seu favor que não há proibição explícita na Convenção Condominial a proibição da criação de pássaros. Dai, a pessoa extrapola e cria uma dezena deles,sujando e fazendo barulho ao vizinho.
Vamos ao que eu penso. E não sou muito bom nessa coisa de pensar. Mas exercicio, seja ele mental ou físico, é sempre útil.
Pois bem.
Essa história de conciliação apareceu pra solucionar um problema do judiciário, que pelas normas rigidas e pela cultura burocratizante do nosso Estado, não consegue dar ao cidadão a solução que ele busca na justiça.
Ou seja, tá na moda pra esvaziar prateleira dos cartórios.
Hoje se a senhora vizinha buscar no judiciário solução para os problemas causados pela senhora dos pássaros, vai ter que contratar um advogado (ou seja, vai arrumar um segundo problema – bem maior do que o primeiro).
Dai que o advogado vai pedir em nome da senhora vizinha que o juiz dê uma solução. Só que vai ter que pedir POR ESCRITO. Fazer em três vias (três vias é uma praga que vem desde quando Portugal dava as ordens no Brasil – uma via pro Rei, outra via pro comandante do navio, e outra via pro dono da capitania hereditária). Foi criado naquela época e nunca mais ninguem conseguiu mudar a cabeça do burocrata.
Vamos continuar.
Ai o juiz recebe duas vias (uma via fica com o advogado como protocolo) e mandar intimar a senhora dos passaros ou seja, manda um oficial de justiça (em geral um resmungão que tem uma ou duas pastas lotadas de intimações), entregar a terceira via.
Ai a senhora dos passaros terá que contratar o seu advogado, (veja bem – dois advogados, um juiz e um oficial, já são quatro problemas – ou melhor, é o quinto problema, porque o primeiro era os pássaros no corredor, se é que voce ainda se lembra), e comparecer a audiencia para conciliação (sim, primeiro o judiciário tenta uma conciliação) em determinado dia. Dai que ficam a vizinha, a senhora dos passaros, os dois advogados, o juiz preocupados em não esquecer o dia – e dai que entra na dança também os estagiários.
Ai vão todos pra audiencia de conciliação, onde estará o oficial meirinho resmungão tentando organizar a coisa, um escrevente sentado na frente de um computador, um juiz de beca, dois advogados de terno e gravata, a senhora vizinha, a senhora dos passaros, e cada uma, por direito, trouxe tres testemunhas, que estão lá fora preocupadas em não perder o dia do trabalho e por essa razão tão enchendo o saco do oficial do cartório para não esquecer de lhe dar atestados pra justificar a falta junto ao patrão.
Por ai sae vê que o baile foi engrossando, e já tem muita gente dançando no salão.
Os pássaros?
Bem, estes estão lá no corredor do prédio, cantando e cagando.
Se não sair acordo. Serão ouvidas as testemunhas, uma de cada vez, com direito dos advogados em impugná-las e criarem embaraços que o juiz tá lá pra desembaraçar. E a conferir se o escrevente tá mesmo anotando corretamente o que as testemunhas dizem.
E os pássaros?
Tá lá no corredor, cagando e cantando…
Bom, depois de toda a papelada (em tres vias, lembre-se – uma pro cartório, uma pro advogado da vizinha reclamona, e outro pra vizinha dos passaros), e de assinarem toda a papelada (em tres vias), o juiz marca prazo pros advogados fazerem alegações. Ou seja, colocar no papel toda merda dos passarinhos. Digo, desculpe, a merda dos passarinhos ficou no corredor do prédio, no papel será colocado todo papo furado que essa encrenca causou.
Dai que depois dos advogados protocolares suas motivações (em tres vias, não esqueça – uma pro processo, uma como protocolo do advogado, outra pro cliente), o juiz vai dar a sentença. Dai ele convoca um estagiário – que pra coisa miuda estagiário tá lá pra isso mesmo em qualquer atividade do mundo – pra pesquisar jurisprudência, porque não é todo dia que questão de passarinho aparece na frente dele.
Dai que ele arma uma sentença, onde diz isso e diz aquilo e fundamenta com sabedoria juridica (essa filosofia livre capaz de produzir os mais diversos absurdos).
A sentença é em tres vias. Uma pro processo, outra pro registro, e outro pra publicar no diário oficial.
Ah…. lembra dos passaros?
´Tão lá no corredor, esparramando alpiste, cantando e cagando…
Dai que quem perde não se conforma e apela pro tribunal.
Nisso os passarinhos até já trocaram de pena mais de tres ou quatro vezes.
E dai que escreve-se uma porrada de papelada de novo, o processo fica grande e como criança grande sai correndo por ai fora de controle. Ninguem sabe por onde pode andar, perde-se nos cartorios, nos escaninhos, deixam todo mundo careca, e abarrota as prateleiras. Papel, papel, papel…
Nisso, os passarinhos não sao mais duas gaiolas.
Já são mais de dez, porque foram dando cria e foram se reproduzindo. E o processo mal chegou no tribunal…
Infelizmente, é isso que acontece.
Em qualquer outro pais civilizado haveria um juiz de plantao, haveria a parte que diria suas razões, e a outra que assentaria suas contra razões, e uma decisão verbal, dada na hora, só registrada por uma taquigrafa. E um policial pra obrigar a cumprir a decisão.
Todo resto é invenção nossa, homos brazilis
sensacional