Ambulantes e Pedintes

Em um dos principais cruzamentos de Pinheiros,  há uns sete anos,  sujeito magro e alto perambulava entre os carros esperando o sinal abrir com uma plaquinha  no peito:  desempregado há dois meses, peço sua ajuda.  Hoje, ele continua no bairro com a plaquinha: dempregado há sete anos,  peço sua ajuda.  Dizem que ele mora na região, é aposentado, e sua filha tem um Corsa.  Se é verdade, não sei.

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No semáforo da República do Líbano em frente ao portão do Parque do Ibirapuera, sou abordado por um homem aleijado que pede dinheiro.  Dou-lhe uma moeda de um Real.  O sujeito comenta:

– Você sabia que tem muita moeda de um Real falsa???  Essa mesmo que você me deu é falsa!!!

Respondo que não tem problema.  Bastava que ele me devolvesse a moeda.  Ele diz que não e se afasta.
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Em frente ao supermercado, sujeito aborda  mulher,  comunica (porque eles comunicam e ponto final)  que vai tomar conta do carro e já dá o valor do serviço:

– A senhora me traz um pacote de fraldas descartáveis GG (gg é o tamanho – extra-grande).

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Dr. Breno, fabuloso psicanalista, tinha um exemplo perfeito   para ilustrar que muita gente (aliás, muito mais do que se imagina) não consegue aceitar o bom dos outros, ser alvo da bondade alheia. 

Ele contava que uma senhora iria receber uma amiga para  o almoço. A empregada havia preparado  frango assado, com arroz, farofa, batatas douradas e  verdura refogada.  Acontece que era um frango ligeiramente mais escuro e a convidada só gostava de carne branca.  A anfitriã decide fazer um macarrrão na manteiga.  Nisso, um  mendigo toca a campainha e a dona da casa prepara um belo prato com o frango,  todos os acompanhamentos e entrega para o mendigo.

Indignado, o mendigo grita:

– Tá pensando que sou o que para comer urubu???

E, sem titubear, atira o prato no muro da casa.

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Domingo à tarde, no Jardim Europa,  uma negra forte, esparramada no chão, chorava copiosamente.  Parei para ver o que acontecia.  Ela me diz algo assim:

– Preciso de três vezes R$ 30,00 para pagar uma conta senão eu estou perdida, nem sei o que vai me acontecer!!!

Dou para ela R$ 15,00 e, paternalmente, aconselho que continue tentando até completar a quantia e, sentindo-me ligeiramente culpado por ter dado apenas parte do dinheiro, vou-me embora.

Dois domingos depois, a algumas quadras dali, encontro a mesma mulher, de novo esparramada pelo chão e, mais uma vez, chorando copiosamente.

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Em Pinheiros,  homem de meia idade  maltrapilho está sempre sentado pelas calçadas e esculpindo pequenos violões em madeira rústica. Dizem que  ele é advogado.  Seu filho foi assassinado em um assalto, salvo engano meu,  e ele desistiu de tudo.

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Na Alameda Barros, perto da Angélica, há muitos anos, mulato simpático, Edson,  com dificuldade para andar, está sempre por ali. Havia uma comida muito boa, coisa bem produzida,  na geladeira de casa.  Coloquei em um descartável, o mesmo em que levo alguma comidinha para meu pai e para  amigos(as) (afinal, sou gastrônomo – Glutão com dicionário, nas palavras do L.F. Veríssimo), e ofereci para ele.  Expliquei que havia feito para mim, mas iria jantar na casa de um amigo.  Perguntei se ele queria.  Ele respondeu que sim e que levaria a comida para almoçar em casa.

Comentei com meu pai que eu achava imensamente fabuloso o cara ter uma casa ali nas redondezas. 

Pois bem, noutro dia à noitinha, vejo o Edson no seu ponto habitual se ajeitando para passar a noite por ali. 

O presidente Lula se jacta de as coisas estarem bem melhores  para as classes C e D.  Gosto do presidente, até acredito nisso.  Esse episódio, entretanto, põe pulga atrás de minha orelha.

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Mas também há histórias bonitas e que não são tristes.

Carmosina, simpaticíssima crioula de 50 anos de idade, vende balas de goma no cruzamento da Argentina com a Brasil.  Vai passando pelos carros parados que esperam o sinal abrir e cumprimentando um por um, com sorrisos luminosos,  todos os motoristas, independente de terem ou não comprado  suas balas.  Já foi passadeira e até pedinte quando os filhos eram pequenos.  Ela explica a razão de seu sorriso: “A alegria é coisa que Deus nos deu.  Se tiver tristeza, a tristeza leva a gente para o buraco.  Já a alegria dá amigos para a gente”.  Deve ser verdade, já que de todos os motoristas que ela saúda, muitos retribuem carinhosamente sua simpatia cumprimentando-a e se despedindo dela quando o sinal abre.

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Fim de tarde gelado. No farol da Groelândia, a menina descalça vem vender biju. “Um é dois e dois é quatro”, diz na janela do carro. Com lógica, e chatice inerente, argumento que se um custa dois, logo, dois custam quatro. E com carinho, apesar da lógica, peço dois e lhe dou quatro cruzeiros (é cruzeiro mesmo, a história se passou há muitos anos). Ela me dá três saquinhos de biju. O sinal ainda vai demorar  para mudar. Quero devolver um saquinho. Insisto. Ela abre um sorriso lindíssimo, diz que quer me dar um biju. Desaparece. Nunca mais a vi. Mas aquele momento de fascínio não sairá da minha mente nem do meu coração.

2 pensou em “Ambulantes e Pedintes

  1. Dom Paulo, sem o saber mas sabendo, você fez quase uma sociologia do cruzamento. Como diria Nietzsche, citando o título do livro, são “humanos, demasiadamente humanos”.
    Abração, tudo de bom!

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    Caro José:
    Agradeço muito o generosíssimo (no meu Aurélio Eletrônico não consta esse superlativo) comentário. Será que eu mereço tanto???
    Grande abraço
    Paulo Mayr

  2. Como bicho do mato que sou, vc me lembrou um ” causo”.
    Era umas destas datas que a gente adora gastar dinheiro, tipo Páscoa, Dia das Mães, coisa assim, e depois de colocar á prova todo aquele dinheiro gasto na academia carregando sacolas e mais sacolas, parei para tomar um lanche rápido. Assim que o sanduiche chegou, me preparei para exterminá-lo em dois movimentos, tamanha era a minha fome. O terceiro seria só para limpar o cantinho da boca. Foi quando percebi, encostada na minha mesa, uma cabecinha com cabelos cacheados, e um olhar de gato manhoso….sabe como é ? Aquele olhar redondo, piscando….A criaturinha era tão miúda que só se via mesmo dos olhos prá cima. Me pediu ” um tlocado”. Perguntei se ele queria comer um lanche ao invés do dinheiro e seus olhinhos emitiram faíscas. Fui lá, comprei o lanche, batatas fritas, refrigerante e ainda um sunday, prá ficar completo. Tamanha foi a minha satisfação de ver aquela coisinha se fartar com aquelas tranqueiras que toda criança adora, que até esqueci na minha própria fome, Ele só não lambeu o fundo do copo do sorvete, porque a linguinha não chegava lá…e assim, tão logo terminou, escorreu pelo banco e foi saindo de mansinho, enrrolando uma mecha do cabelo. E eu, para mecher com ele, falei:
    “- Puxa vida! Vc vai embora assim? Não mereço nem um beijo…??? Eu queria um beijo…”
    A carinha dele neste momento era uma mescla de sujeira, maionese, sorvete e calda de chocolate….mas isso não teve a menor importância e ele me deixou um carimbo estalado no meio do rosto….e foi embora.
    E eu fiquei ali…com cara de boba…com uma mancha no meio da bochecha, com meu coração rindo baixinho…..

    Vera, Leitora do Boca:

    Que história legal. Lembre-se de outros casos e publique no seu Boca no Trombone. Publique e me avise pq faço questão de ler.

    Valeu!!!

    Paulo Mayr

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